A Conversão de São Cipriano
No começo do século IV, em Antioquia da Síria, o diácono Prailio pregava as verdades da fé, quando uma jovem chamada Justa o ouviu a partir de uma janela e ficou impressionada.
Ela contou o fato à sua mãe Cledônia, que, por sua vez, o relatou a seu marido Edésio. A família ficou perplexa, sem saber a que faria; todavia, na noite seguinte, apareceu-lhes Jesus Cristo com seus anjos e lhes disse:
“Vinde a mim e eu vos darei o reino dos céus”.
Em consequência, chegado o dia, pai e mãe levaram a filha ao diácono Prailio, que os apresentou ao bispo Optato.
Este os batizou e ordenou sacerdote Edésio, que era pontífice de um culto pagão. Edésio morreu dezoito meses depois; Justa entrementes frequentava assiduamente a igreja, onde um jovem, de nome Aglaidas, a via muitas vezes passar e se apaixonou por ela.
Pediu-a em casamento; mas Justa recusou-se, dizendo que queria permanecer virgem. Então Aglaidas, acompanhado dos amigos, colocou-se no sou caminho, vedando-lhe a passagem; queria raptá-la.
Mas as mulheres que acompanhavam Justa, puseram-se a gritar tanto que os servidores e vizinhos acorreram, pondo os agressores em fuga.
Aglaidas não desistiu do seu intento. Sabia que existia um mago poderoso chamado Cipriano; foi procurá-lo, prometendo-lhe dois talentos (grande quantia), caso conquistasse o coração de Justa para o seu pretendente.
Cipriano então evocou um demônio… Este lhe entregou um veneno, que devia ser espalhado em torno da casa da moça.
Quando esta se levantou para rezar, sentiu o ataque do Maligno; mas logo fez o sinal da Cruz sobre si e sobre a casa e orou fervorosamente ao Senhor.
A vista disto, o demônio comunicou a Cipriano que a tentativa fora malograda. O mago, querendo salvar sua fama, chamou outro demônio, mais poderoso; também este foi vencido, mas não quis revelar a Cipriano o artifício que o desbaratara.
O mago, ainda mais ardoroso, evocou o pai dos demônios, que lhe apareceu, prometendo-lhe entregar a moça dentro de seis dias.
Apresentou-se o tentador a Justa sob a aparência de uma jovem… Esta declarou a Justa que Jesus Cristo a enviara para levar com Justa uma vida perfeita.
E acrescentou:
“Que recompensa esperas receber por guardares a virgindade? Vejo-te esgotada pelos jejuns”.
Ao que Justa respondeu:
“O fardo é leve, mas a recompensa é enorme”.
Prosseguiu o Maligno ainda disfarçado:
“No começo Deus abençoou Adão e Eva, dizendo-lhes:
“Crescei, multiplicai-vos, e enchei a terra’. Parece-me que, se perseverarmos na virgindade, desprezaremos a palavra do Deus e seremos tratadas como rebeldes no dia do juízo final’.
Justa sentiu-se abalada por esta observação, mas recuperou-se e, fazendo o sinal da cruz com oração, soprou sobre o demônio, que fugiu.
Cipriano então pediu ao Maligno que lhe dissesse por que e como fora derrotado. O demônio só consentiu em falar depois que Cipriano lhe jurou que permaneceria sempre fiel ao demônio.
Confessou, pois, que o poder do sinal do Crucificado ultrapassava o poder das trevas. Isto enfureceu Cipriano, que tratou o diabo de mentiroso; mandou-lhe que se retirasse; quando o Maligno quis pular sobre Cipriano para sufocá-lo, Cipriano o repeliu fazendo o sinal da Cruz.
A seguir, foi procurar o bispo Antímio, a quem pediu que o instruísse na fé cristã e, ao voltar para casa, destruiu os seus ídolos.
No dia seguinte, que era Sábado Santo, Cipriano voltou à igreja, onde ouviu leituras sagradas e a homilia do bispo.
No momento em que o diácono Astério convidava os catecumenos para se retirar, Cipriano ficou na igreja para grande surpresa do diácono, que insistiu dizendo:
“Cipriano, levanta-te e sai”.
Replicou Cipriano:
“Tornei-me servidor de Cristo e tu me expulsas!”
Então o bispo, informado do caso, batizou Cipriano. Oito dias depois, deu-lhe o ministério do leitor; vinte e cinco dias mais tarde, fê-lo ostiário e subdiácono; cinquenta dias depois, diácono e, finalmente, no fim do ano, presbítero.
Passados dezesseis anos, Antímio estava para morrer e obteve que Cipriano lhe sucedesse na função episcopal. Feito Bispo, Cipriano terá promovido a jovem Justa ao cargo do diaconisa; trocou seu nome pelo de Justina e a fez Superiora de uma comunidade monástica.
O resto da vida do Cipriano terá sido dedicado a combater as heresias. A narração da Conversão do S. Cipriano tem na literatura antiga dois complementos, do índole grotesca, como são a “Confissão do Cipriano” e “Paixão do Cipriano”.
Eis o seu conteúdo:
A “Confissão de Cipriano”
A “Confissão do Cipriano” é uma ampliação infeliz da “Conversão”. Nesse relato, Cipriano toma a palavra para explicar seu relacionamento com o domínio, as feitiçarias e os encantamentos que praticava.
O autor da narração acumula as histórias de artes mágicas e às vezes cai no ridículo; assim, por exemplo, refere que Aglaides tomou a forma de um pássaro que se colocou sobre um telhado a fim de espreitar Justina; todavia, logo que conseguiu ver a moça, perdeu a qualidade de pássaro (que ele adquirira por feitiçaria); retomou a sua condição de homem e experimentou muita dificuldade para descer do telhado.
A “Paixão de Cipriano”
Esta narração responde a necessidade de terminar os relatos anteriores. O autor recorreu a traços comuns de narrações anteriores.
Refere, por exemplo, que Cipriano e Justina foram presos por ordem do Conde Eutólmio e levados para Damasco.
Após um interrogatório, Cipriano foi dilacerado por unhas de ferro, enquanto Justina era chicoteada ferozmente.
Contudo, permaneceram insensíveis. Levados de novo ao tribunal, foram condenados a morrer numa caldeira de óleo fervente; este, porém, se tornou para eles a ocasião de um banho reconfortador; ao verificá-lo, um sacerdote pagão acusou-os de magia e aproximou-se do fogo da caldeira, que imediatamente o devorou.
Finalmente, o juiz terá enviado os dois mártires para Nicomédia, onde residia o Imperador Dioclociano. Este mandou que fossem decapitados; o carrasco executou a sentença juntando a Cipriano e Justina um certo Teoctisto, que passava por perto.
Os seus cadáveres foram expostos às feras, que os deixaram intatos. Seis dias depois, marinheiros cristãos levaram os corpos para Roma, onde uma certa Rufina lhes deu honrosa sepultura.
Eis o que se narra a respeito do S. Cipriano mago e mártir.
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